segunda-feira, 28 de junho de 2021

Anarquismo - Fernando Pessoa - por Beth Lilás

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 ANARQUISMO

A Noite e o Caos são parte de mim. Dato do silêncio das estrelas. Sou o efeito de uma causa do tempo do Universo [e que o excede, talvez]. Para me encontrar tenho de me procurar nas flores, e nas aves, nos campos e nas cidades, nos actos, nas palavras e pensamentos dos homens, na luz do sol e nos escombros esquecidos de mundos que já pereceram.

Quanto mais cresço, menos sou eu. Quanto mais me encontro, mais me perco. Quanto mais me sinto mais vejo que sou flor e ave e estrela e Universo. Quanto mais me defino, menos limites tenho. Transbordo Tudo. No fundo sou o mesmo que Deus.

Na minha presença hodierna têm parte as idades anteriores à Vida, os tempos mais antigos do que a Terra, os ocos do espaço antes que o mundo fosse.

Na noite onde nasceram as estrelas comecei a constelar-me de ser.

Não há um único átomo da mais longínqua estrela que não colaborasse no meu ser.

Porque Afonso Henriques existiu, eu sou. Porque Nun'Álvares combateu, existo. Seria outro - não serei, portanto - se Vasco da Gama não tivesse achado o Caminho da Índia nem Pombal tivesse governado (...) anos.

Shakespeare é parte de mim. Para mim trabalhou Cromwell quando arquitectou a Inglaterra. Ao ganhar com Roma, Henrique Oitavo fez-me ser hoje o que eu sou.

Para mim pensou Aristóteles e cantou Homero. Neste sentido místico e profundo deveras [...], Cristo morreu por mim. Um místico índio que eu não sei se existiu, há 2000 anos colaborou no meu ser actual. Pregou moral Confúcio à minha presença de hoje. O primeiro homem que achou o fogo, o que inventou a roda, o primeiro que ideou a seta - se hoje eu sou eu é porque eles existiram.



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segunda-feira, 21 de junho de 2021

Cora Coralina, quem é você? - por Beth Lilás

 

Os versos abaixo fazem parte do extenso e fundamental poema Cora Coralina, Quem É Você?   A rica poesia de uma mulher simples.



Cora Coralina, Quem é você?

Sou mulher como outra qualquer.
Venho do século passado
e trago comigo todas as idades.

Nasci numa rebaixa de serra
Entre serras e morros.
“Longe de todos os lugares”.
Numa cidade de onde levaram
o ouro e deixaram as pedras.

Junto a estas decorreram
a minha infância e adolescência.

Aos meus anseios respondiam
as escarpas agrestes.
E eu fechada dentro
da imensa serrania
que se azulava na distância
longínqua.

Numa ânsia de vida eu abria
O vôo nas asas impossíveis
do sonho.

Venho do século passado.
Pertenço a uma geração
ponte, entre a libertação
dos escravos e o trabalhador livre.
Entre a monarquia caída e a república
que se instalava.

Todo o ranço do passado era presente.
A brutalidade, a incompreensão, a ignorância, o carrancismo.
Os castigos corporais.
Nas casas. Nas escolas.
Nos quartéis e nas roças.
A criança não tinha vez,
Os adultos eram sádicos
aplicavam castigos humilhantes.

Sou mais doceira e cozinheira
Do que escritora, sendo a culinária
a mais nobre de todas as Artes:
objetiva, concreta, jamais abstrata
a que está ligada à vida e
à saúde humana.

Luta, a palavra vibrante
que levanta os fracos
e determina os fortes.

Quem sentirá a Vida
destas páginas…
Gerações que hão de vir
de gerações que vão nascer.


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quarta-feira, 9 de junho de 2021

África - poemas de Mia Couto

 O continente chamado "Mãe África" é o berço da humanidade por ter nascido ali os primeiros

seres humanos.

Assim como chamamos o Planeta Terra de Mãe Gaia, chama-se Mama África como mamãe. 

O belo site abaixo, vale a pena ser visitado para entendermos esta relação tão importante deste continente:

https://artsandculture.google.com/exhibit/%C3%A1frica-m%C3%A3e-de-todos-n%C3%B3s/IgICgD_GxFzxIw?hl=pt-BR

E Mia Couto, o grande escritor e poeta moçambicano, descreve em seus livros a poesia e beleza deste grande continente.



terça-feira, 1 de junho de 2021

Rosa - de Otávio de Souza e Pixinguinha - por Beth Lilás

 “A valsa “Rosa” tem uma história interessante.

Pixinguinha fizera-lhe a melodia havia muito tempo, mas todos achavam que era preciso uma letra.

Nunca, porém, ninguém se interessou.

Havia, em Engenho de Dentro, um mecânico de automóveis chamado Otávio de Souza, um poeta bissexto.

Ele então fez a letra, uma improvável obra-prima para os amigos.

Um dia, nas quebradas, ele encontrou o velho Pixinga, e dele se aproximou, tangido pela inibição própria de um mecânico de subúrbio.

Pixinguinha era a fina flor da educação, sempre pra lá de elegante, e dignou-se a recebê-lo.

Ele então recitou a letra de “Rosa”, o mais belo poema parnasiano da MPB, e Pizindin (era assim que a vovó o chamava) encantou-se com versos tão belos.

Ali estava Otávio de Souza, seu mais novo parceiro e a música, depois de gravada, ganhou as ondas do rádio na interpretação magistral de Orlando Silva, o maior cantor que este país já teve.

Música difícil de interpretar, até por causa do fraseado poético, parnasianismo puro.

Recebeu, contudo, muitas gravações.

De todo modo, os louros e loas que se fazem a “Rosa” vão quase sempre para Pixinguinha, que, é claro, os merece.

Poucos, ou quase ninguém, lembra-se do mecânico de Engenho de Dentro, autor de uma música que, conquanto presa aos limites da sua unidade, equivale a todo um cancioneiro musical.

Uma obra-prima maravilhosa.

Um dia ainda há de se fazer justiça a Otávio de Souza.”

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Tu és divina e graciosa

Estátua majestosa do amor
Por Deus esculturada
E formada com ardor
Da alma da mais linda flor
De mais ativo olor
Que na vida é preferida pelo beija-flor
Se Deus me fora tão clemente
Aqui nesse ambiente de luz
Formada numa tela deslumbrante e bela
O teu coração junto ao meu lanceado
Pregado e crucificado sobre a rósea cruz
Do arfante peito teu

Tu és a forma ideal
Estátua magistral. Oh, alma perenal
Do meu primeiro amor, sublime amor
Tu és de Deus a soberana flor
Tu és de Deus a criação
Que em todo coração sepultas o amor
O riso, a fé, a dor
Em sândalos olentes cheios de sabor
Em vozes tão dolentes como um sonho em flor
És láctea estrela
És mãe da realeza
És tudo enfim que tem de belo
Em todo resplendor da santa natureza

Perdão se ouso confessar que
Eu hei de sempre amar-te
Oh flor meu peito não resiste
Oh meu Deus, quanto é triste
A incerteza de um amor
Que mais me faz penar e esperar
Em conduzir-te um dia
Aos pés do altar
Jurar, aos pés do onipotente
Em preces comoventes de dor
E receber a unção da tua gratidão
Depois de remir meus desejos
Em nuvens de beijos
Hei de te envolver até meu padecer
De todo fenecer

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